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Querido vazio

  • Foto do escritor: Lua Malakian
    Lua Malakian
  • 19 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 20 de ago. de 2022

Querido vazio, a primeira vez que te encontrei eu nem sabia amarrar o meu cadarço, um dia eu estava dormindo na cama da minha mãe, e no outro a vi em uma caixa grande com flores e pessoas chorando, é uma daquelas lembranças que não passam por nada, eu lembro de olhar para o lado e perguntar a minha irmã:"por que a mamãe está em uma caixa?" Minha irmã não disse nada, somente me abraçou, e até hoje eu nunca vi ela chorar tanto. Naquele dia, antes de voltar para casa, minha irmã não parava de chorar e me olhar, ela não sabia como responder a minha pergunta. Minha mãe mal tinha 35 anos, era uma pessoa doce, gentil, amorosa, humilde e cheia de vida. Num dia ela estava sorrindo, no outro os brincos que ela usava estava guardados em uma caixinha de joias, e ninguém sabia o quanto ela amava eles. Não tinha o por que minha mãe está em uma caixa, e na ausência de um motivo, um bom motivo, a mente humana tem dificuldade de aceitar.

Querido vazio, eu costumava colocar culpa em você. Eu olhava no espelho, sentia sua presença e podia jurar que você estava sorrindo. Que outro motivo alguém teria pra assistir minhas tragédias se não pra rir da minha cara? Os dias viraram uma piada sem graça. Eu deixei de ser o protagonista, a vida se tornou um comercial de margarina e tudo que eu queria era trocar de canal, tipo estar numa foto que você não pediu para estar e ter que sorrir, eu me tornei um estrangeiro dentro da minha própria cabeça, eu sentia vergonha de sentir vergonha, eu tinha nojo da minha própria voz, e eu só queria que parasse. Eu olhava no espelho e via um fantasma cético; ele já não acreditava em nada. Nem no presente, nem no futuro, nem em si mesmo. A existência perdeu o sentido. Eu queria que você me explicasse: POR QUÊ? Mas você nunca dizia nada. Hoje eu entendo o teu silêncio. O vazio nunca traz respostas, o vazio é a pergunta.

Querido vazio, eu aprendi um truque novo. Eu descobri que não adianta tentar te preencher, não é completude o que você quer, porque ai você deixaria de ser vazio, e ninguém gosta de deixar de ser o que é. O que você quer é um pouco de atenção. Toda vez que você aparece, eu te imagino ser uma letra bem feia, pior que possamos imaginar, ai eu pego um PORQUÊ, amasso e dobro colocando em uma carta e te entrego. Às vezes é bem simples: "por que a vida vale a pena?" Ora bolas, porque hoje tenho o amor da minha vida. E tcharam... como num passe de mágica, você está em uma carta todo amassado e vai embora. Nem sempre é tão fácil, às vezes você não fica satisfeito com as minhas respostas. Quando é assim eu tento tirar um tempo para analisar melhor as suas questões silenciosas, afinal, convenhamos, você não merece ser ignorado. Nós não somos inimigos. Muito pelo contrário, você é a parte de mim que se importa. Eu desconfio, do fundo do meu coração, que por trás do seu lençol de silêncio não existe um abismo esperando para ser preenchido, e sim uma criança confusa que faz perguntas levemente estúpidas no meio de um velório. Por que a mamãe esta nessa caixa? Dentro de toda cabeça, por mais quebrada e caótica que seja, existe uma máquina de escrever novos porquês.

Querido vazio. A ausência do furo dá sentido à roda. Ausência da porta dá sentido à casa. A ausência entre acordes dá sentido ao ritmo. A absência é um mal necessário, e o silêncio tem muito a dizer, pra quem duvida, é só parar na beira de um rio e ouvir. Querido, maldito, infinito vazio; depois de muito chorar, depois de muito sofrer, hoje sou eu que procuro você.

 
 
 

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